Mudança de comportamento da lagarta-do-cartucho

Se tem um país que pode suprir de alimento as diferentes regiões do mundo, sem dúvida, esse é o Brasil, onde é possível ter mais de uma safra agrícola durante o ano, com alta produtividade e qualidade alimentar.

As principais culturas plantadas no Brasil, quando se trata de grãos e fibras, são soja, milho, feijão, trigo, arroz e algodão. Essas culturas são plantadas lado a lado em algumas regiões ou em sucessão, com predomínio da soja na primeira safra, de milho, feijão, arroz e algodão como uma segunda safra e do trigo com uma cultura de inverno. Obviamente, há esquemas diferentes em algumas regiões, mas, nas fronteiras agrícolas, onde são predominantes as grandes áreas de plantio, praticamente se adota exclusivamente esse sistema de sucessão de cultura.

Além disso, culturas como o milho têm sido cultivadas em duas safras, sucedendo a soja ou também o próprio milho. É isso mesmo, embora menos comum, pode-se realizar duas safras de milho em sucessão.

Entretanto, esse intensivo uso da terra, com plantios de culturas em sucessão, tem gerado mudança de comportamento de pragas, sendo que algumas delas têm se adaptado e atacado todas as culturas referenciadas anteriormente. Podemos citar a mosca-branca, diferentes espécies de percevejos e lagartas, que têm se tornado problema cada vez mais sério em diferentes culturas.

Dentre as espécies de lagartas, uma que tem modificado seu comportamento, tanto no momento de ocorrência na cultura como no número de hospedeiros, é a lagarta-do-cartucho-do-milho, Spodoptera frugiperda (J.E. Smith) (Lepidoptera: Noctuidae).

 

 

MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DE ATAQUE EM MILHO

No milho, S. frugiperda é conhecida como a lagarta-do-cartucho ou militar. Provavelmente, o nome de lagarta-militar seja o mais adequado no momento, pois, deixou de atacar exclusivamente as folhas/cartucho da planta e passou a atacar plântulas logo após a emergência (Figura 1D) e as espigas (Figura 2).

Os principais motivos para o aumento da produção de milho o ano todo nos dias atuais são a expansão da segunda safra (sendo hoje muito maior do que a primeira), a produção de milho para consumo verde (onde a semeadura é escalonada e, praticamente o ano todo) e a produção de sementes (geralmente após a segunda safra). Ressalta-se que um fator determinante para tornar viável essa produção ao longo do ano é o uso de irrigação. Contudo, apesar de possibilitar oferta do produto durante todo o período, há também oferta de alimento para a lagarta militar, possibilitando infestações precoces, cortando plântulas, de maneira muito semelhante à lagarta-rosca Agrotis ipsolon (Hufnagel, 1767) (Lepidoptera: Noctuidae), sendo até confundidas em alguns casos (Figura 1).

Figura 1. Diferenciação entre lagarta-rosca Agrotis ipsolon (A e B), e lagarta-do-cartucho-do-milho Spodoptera frugiperda (C e D).

Outra mudança que se tem observado é o ataque da lagarta-do-cartucho às espigas de milho (Figura 2), como a lagarta-da-espiga Helicoverpa zea (Boddie) (Lepidoptera: Noctuidae). No entanto, ao contrário da lagarta-da-espiga, que entra pela ponta, após a eclosão da lagarta cujo ovo é depositado no cabelo do milho, a lagarta-do-cartucho ataca a base ou o meio da espiga.

Figura 2. Ataque da lagarta-do-cartucho-do-milho Spodoptera frugiperda às espigas do milho.

 

 

Apesar de ser menos comum, pode ser observado o ataque da lagarta-do-cartucho também na ponta da espiga, como pode ser constado pela Figura 3.

Figura 3. Ataque da lagarta-da-espiga Helicoverpa zea e lagarta-do-cartucho-do-milho Spodptera frugiperda na espiga do milho.

DIVERSIFICAÇÃO DE HOSPEDEIROS DE PRAGAS

            Outro fato que tem ocorrido em função desse uso intensivo e sucessão de culturas é a adaptação de diferentes pragas a diferentes culturas. Além da ocorrência de pragas polífagas, tem-se observado também a adaptação de certas pragas a um número cada vez maior de plantas cultivadas, que antes não eram atacadas.

            Nesse exemplo, também se encaixa a lagarta-do-cartucho, S. frugiperda, que, de milho, onde é denominada lagarta-do-cartucho-do-milho, passou a atacar soja (Figura 4), algodão (Figura 5), arroz (Figura 6), trigo (Figura 7), pastagens, dentre outras. Embora em muitos delas não seja considerado uma praga chave, tem potencial para se tornar uma praga importante devido ao seu grande poder de adaptação. 

Nessas culturas, a lagarta-do-cartucho pode ser observada danificando plântulas, e alimentando-se dos órgãos vegetativos e reprodutivos.

            Como essas culturas são cultivadas em sucessão, lado a lado ou em sistema agropastoril, a praga pode permanecer na área ao longo do ano, pois tem hospedeiro onde pode se alimentar e reproduzir. Além disso, as culturas de cobertura, tais como sorgo, milheto (Figura 8) e braquiárias, também podem hospedar a praga e ser uma ponte verde para infestação precoce da próxima cultura.

 

Figura 4. Ataque de Spodoptera frugiperda em plântula (A) e vagem (B) de soja.
Figura 5. Ataque de Spodoptera frugiperda à maça do algodoeiro.
Figura 6. Ataque de Spodoptera frugiperda em arroz.
Figura 7. Ataque de Spodoptera frugiperda em trigo.
Figura 8. Ataque de Spodoptera frugiperda em miheto.

CONSIDERAÇÃO FINAL

Face a essa nova dinâmica de pragas na agricultura, o Manejo Integrado de Pragas deve ser analisado de uma forma holística, não focando somente na cultura, mas no sistema de produção. Ressalta-se que essa abordagem não deve ser feita só para a lagarta-do-cartucho, mas também para percevejos, mosca-branca e outras lagartas. O manejo deve ser focado no sistema de produção, analisando o histórico da área e o que será plantado na próxima safra, para tomada de medidas de manejo na cultura atual e assim sucessivamente, diminuindo assim o ataque de pragas na safra seguinte. 

Além disso, para essas pragas citadas, há necessidade de adoção do manejo em grandes áreas ou em nível regional, em que as tomadas de decisão são realizadas de forma conjunta em uma área extensa devido à mobilidade, grande número de hospedeiros e mudança de hábitos das pragas.

Devido a essa mudança de hábito, aqui explorado o caso da lagarta-do-cartucho-do-milho, em que o ataque pode ser precoce, em período normal de ocorrência ou tardiamente, o monitoramento deve ser constante e ininterrupto durante a safra agrícola.

Para o manejo eficaz e exitoso dessa praga, há necessidade de integração de diferentes táticas, explorando todas as opções e métodos disponíveis, sejam eles resistência de plantas, métodos culturais, controle biológico ou controle químico. Sendo esse último o que deve ser empregado com maior critério e cuidado, evitando todos os efeitos colaterais que pode ocasionar, destacando-se a seleção de população resistente e desequilíbrio biológico.

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